Monografia Sarah Roberto IV

Lazer e Sociabilidade


Na sociedade complexa, hibridizada e frenética em que vivemos, busca-se pequenos momentos de prazer, longe da rotina semanal. A civilização do trabalho, das indústrias e máquinas desperta uma necessidade cada vez mais forte pelo tempo livre.

Ao longo do século XIX e XX, o tempo livre foi se modificando, alargando: atividades, conhecidas como trabalho, foram aceitas como descanso, terapia; outras foram desenvolvidas tendo em vista a gama de possibilidades sociais e econômicas que surgiam com a época – a pesca, a jardinagem, atividades artesanais etc.

Dumazedier acredita que “a necessidade de lazer cresce com a urbanização e a industrialização”. O lazer é conhecido majoritariamente como a ocupação do tempo fora do trabalho, do tempo sem obrigações dos estudos ou do emprego. Muitas horas de trabalho (às vezes mais de um) desperta no indivíduo a ânsia de libertar-se e soltar-se das amarras das obrigações. Ao longo do tempo, o lazer foi sendo determinado como uma oposição ao trabalho. Como um tempo livre que não deve trazer nada que lembre as obrigações ou seriedades do trabalho. Assim, desde a Antigüidade passando pela Idade Média, percebe-se características sobre este tipo de lazer que ainda hoje permeiam no imaginário da sociedade:

“Observamos que o jogo não era visto como uma atividade séria, nem tão pouco como um fim em si mesmo. Estava claramente subordinado ao trabalho, só existindo com o objetivo de proporcionar alguns momentos necessários de descanso, para que o homem se restabelecesse e desempenhasse bem suas obrigações.” (Rocha, 2006: 23).

Usa-se o tempo livre para ler algo que goste, para pescar, fazer uma arte, brincar com outras pessoas, viajar, assistir a um filme, caminhar na praça, ver um programa predileto na televisão ou até jogar. Entre estas e outras opções, cada individuo escolhe fazer aquilo que está dentro do que seus valores, modelos e crenças inspiram. Longe das obrigações, buscamos uma complementação para a vida, quer seja social ou cultural. O lazer aparece como uma ruptura, como “um fator de equilíbrio um meio de suportar as disciplinas e as coerções necessárias à vida social” (Dumazedier, 1973: 33). O ser humano precisa de certo tempo para adquirir e desenvolver outras práticas que lhe proporcionem sensações de criação, completude e equilíbrio. Quantas vezes vivemos o dia-a-dia da semana esperando ansiosos pelo sábado ou domingo para enfim desfrutarmos de um tempo livre onde, desamarrados das responsabilidades profissionais, estudantis e familiares, possamos descansar e nos desenvolvermos livremente, guiados cada um pelo seu estilo de vida. Como afirma Dumazedier, essa necessidade de ter um tempo livre longe das obrigações do mundo do trabalho, da família, do estudo surge de uma insatisfação com o aqui e agora.

“O estraçalhamento dos ofícios e profissões, o esmigalhamento das tarefas produzem muitas vezes no executante um sentimento de inacabado e de insatisfação. Surgirá daí uma necessidade de compensação e a procura da realização de uma obra acabada ou de livre criação.” (Dumazedier,1973: 94)

Para ocupar o tempo do lazer, diversos meios de entretenimento foram criados: a TV, o cinema, jogos e computadores, cada um levando em consideração a época e a sociedade em evidência. Essas muitas formas de lazer refletem na sociedade tardiamente modernizada uma inovação cultural hibridizada.

O lazer, em cada época, sofre influências no seu conteúdo do contexto socioeconômico, das crenças e valores já estabelecidos socialmente e das diversas outras formas de lazer utilizadas até então. Por exemplo, o RPG surge causando impacto com os adolescentes ao utilizarem roupas, adereços e maquiagem pretos, numa tentativa de “brincar” com o conceito de magia e recriar seres estranhos à realidade. Com o crescimento do número desses jogadores, creio ser importante observar o que leva esses adolescentes e jovens a buscarem este tipo de jogo. Tal, lembro, é um dos objetivos deste trabalho.

Vivemos numa era globalizada. Estudantes de intercâmbio trouxeram o RPG para o Brasil, alguns o adaptando ao nosso contexto cultural, outros apenas assimilando o universo do jogo para si. Porém, é importante analisar que tipo de mudanças este fato nos leva a considerar.

Diante de uma sociedade complexa e capitalista, o crescente interesse pelo lazer “fornece modelos de conduta e pode imprimir um certo estilo à vida cotidiana” (Dumazedier, 1973: 98).

Conseqüentemente, o lazer é instituído como uma necessidade inerente a todo cidadão, tendo na legislação a noção de direito a ser garantido:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (Constituição Federal)

Antes, privilégio das classes abastardas, hoje, o lazer torna-se acessível aos menos favorecidos, dentro de suas posses. Porém, “mesmo quando a prática do lazer é limitada pela falta de tempo, dinheiro ou recursos, sua necessidade está presente e cada vez torna-se mais premente.” (Dumazedier, 1973: 25). Assim, transforma-se em algo imprescindível para uma vida de qualidade como cidadãos de uma sociedade dita democrata.

Citando novamente Dumazedier (1973:45) “o lazer despertou também novas formas de sociabilidades e de agrupamentos […]”. Grupos de lazer surgem em meados do século XIX, mas atualmente, em nosso contexto sócio-histórico, a juventude contemporânea (re)cria e (re)aproveita outras formas de lazer, contribuindo para a construção de outras possibilidades de agrupamentos, diante dos vários interesses que vão surgindo. Isto desperta outras maneiras de se sociar, gerando sociabilidades distintas para diferentes jovens, como na escola, universidade, no bairro ou no trabalho. Eles se inserem em universos simbolicamente variados como a escola, universidade, cursos, estágios e até mesmo em subempregos, para ajudar a renda familiar.

Groppo (2000) acredita que a juventude tenha sido, ao longo do tempo, a mais capaz de liderar as inovações do lazer na contemporaneidade. Creio que os jovens com seu poder de criação e adaptação, aprendem rapidamente a lidar com diversas situações e usar ferramentas diferentes para se fazerem compreendidos.

Vale ressaltar que não apenas jovens, mas juntamente alguns adultos visionários como os que desenvolveram durante décadas os jogos de guerra até chegar ao pouco conhecido RPG, encontram formas de lazer, formas alternativas de diversão e desenvolvimento social.

No próximo ela fala sobre o RPG como instrumento de sociabilidade. Até lá…

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